O I Encontro Nacional sobre o Direito à Comunicação (ENDC), realizado
em Recife de 9 a 11 de fevereiro, reuniu representantes de diversas
entidades que lutam pela democratização dos meios no Brasil, militantes e
profissionais da área. O objetivo é estabelecer redes e potencializar
as ações e a capacidade de intervir dos diversos atores no processo de
construção e implementação de políticas públicas para o setor.
Promovido pelo Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) em conjunto com
entidades parceiras, o encontro aconteceu na Universidade Católica de
Pernambuco (UNICAP), com a participação de cerca de 200 pessoas, entre
comunicadores comunitários, movimentos sociais, associações de classe,
pesquisadores, professores, representantes de ONGs, grupos da juventude e
estudantes.
A CUT esteve representada por Rosane Bertotti, secretária nacional de
Comunicação da Central e coordenadora-geral do FNDC (Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação). Expedito Solaney, secretário nacional
de Políticas Sociais da CUT e Adilson Pereira, secretário de Comunicação
da CUT Pernambuco também participaram do Encontro.
A liberdade de expressão e os mecanismos para garantir o direito à
comunicação foram a essência dos debates e experiências apresentadas
durante o evento, que teve transmissão ao vivo pela internet durante os
três dias.
Na noite de quinta-feira (9) durante a abertura, o jornalista Ivan
Moraes Filho, do Centro de Cultura Luiz Freire, reafirmou os objetivos
do Encontro e ressaltou que iniciativas como estas são cada vez mais
importantes. “Além da riqueza dos debates que se apresentam essas ações
podem sensibilizar novos sujeitos para a luta em defesa do direito à
comunicação”, afirma.
Democratização Já
Os trabalhos do primeiro dia, sexta-feira (10), tiveram início com
vários debates simultâneos. "Meios de Comunicação Independentes,
Populares e Comunitários" teve a participação de José Sóter, da
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço); Aylén Sofia
Cabo, da Rede Nacional de Meios Alternativos; e Leilane, do Centro de
Mídia Independente (CMI).
A política da política de comunicação no Brasil
Na mesa de debate “A política da política de comunicação no Brasil”,
com a professora Ana Veloso (UNICAP) e os professores Venício Lima (UnB)
e Marcos Dantas (UFRJ), foram levantadas questões como: quais são os
atores e os interesses na disputa de políticas públicas no Brasil?
Para o professor Venício Lima, qualquer ideia de regulação da
comunicação no Brasil incomoda muito a grande mídia brasileira, porque
seus interesses estão estreitamente ligados aos das oligarquias
políticas e de setores empresariais, por isso a rejeição sistemática à
democratização do setor e recusa ao diálogo. “O liberalismo brasileiro
sempre foi excludente e continua tendo pavor de qualquer tentativa
republicana do Estado no sentido de permitir maior participação popular
na formulação e fiscalização das políticas públicas, em particular, nas
comunicações”, diz.
Ao mesmo tempo, segundo o professor, apesar do distanciamento do
Estado, da União e suas unidades federativas para implementar as
propostas aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação, a grande
mídia não consegue mais controlar o aumento da consciência sobre a
importância do direito à comunicação nas sociedades contemporâneas. “É o
aumento dessa consciência que vem das ruas que explica as pequenas e
importantes vitórias que a sociedade civil organizada começa finalmente a
construir em níveis estadual e local, a exemplo da Bahia, onde foi
instalado o primeiro Conselho Estadual de Comunicação Social”, cita.
Marcos Dantas, da UFRJ falou sobre o processo de convergência
tecnológica, cadeia produtiva – produção e distribuição de conteúdos - e
serviço público. “Os princípios de serviço público que, até então
norteavam as regras e normas organizadoras das comunicações, estão sendo
abandonados na cadeia produtiva do processo de convergência”, diz
Dantas. Segundo o professor, as cadeias produtivas horizontalizadas com a
convergência também precisarão se sujeitar a regras de serviço público,
deverão reconhecer o direito à comunicação e servir não apenas ao
mercado, mas principalmente, à democracia.
Marco Regulatório das Comunicações
O debate “O Marco Regulatório da Comunicação no Brasil: conjuntura e
desafios” marcou o I ENDC não apenas pela qualidade das discussões, mas
também por ter entrado para a história, já que grande parte foi feita no
escuro, literalmente. A mesa teve início às 18h, conforme o previsto,
com participação de Rosane Bertotti, secretária nacional de Comunicação
da CUT e coordenadora-geral do FNDC; Luiza Erundina, deputada federal
integrante da Frente Parlamentar pela Democratização da Comunicação; e
João Brant, do Coletivo Intervozes. Por volta das 20h, o bairro ficou
sem luz devido à queda de um poste nos arredores. Apesar da escuridão e a
impossibilidade do uso de microfone, o debate continuou por mais de uma
hora, com o auditório lotado.
João Brant abriu a discussão abordando os temas cruciais que devem
estar contemplados no marco regulatório brasileiro, essencialmente,
pluralidade, diversidade e universalidade. “É preciso pensar comunicação
como um tema público. As TVs e rádios brasileiras ocupam um espaço
público, logo as ideias devem circular em condições de igualdade. Do
jeito que está, a democracia está sendo afetada, pois não há respeito à
diversidade”, enfatiza.
Segundo Brant, o direito à comunicação é absolutamente essencial e o
Estado deve garantir esse direito a todos. “É aí que entra a discussão
do marco regulatório, com definição de regras e aplicação para que o
direito à comunicação e à liberdade de expressão sejam garantidos. São
as vozes silenciadas que estão gritando por um novo marco e é nesse tom
que precisamos ir para as ruas nesse ano”.
No ano passado, entidades que compõem o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação elaboraram uma Plataforma,
com base nas propostas aprovadas na I Conferência Nacional de
Comunicação, realizada em 2009. Esta plataforma foi entregue ao Governo e
é o documento base dos movimentos sociais e entidades que debatem
comunicação para a elaboração do novo marco regulatório.
“Precisamos ter ações praticas, estratégicas para as mudanças que
julgamos necessárias, reafirma Rosane Bertotti. Quando discutimos marco
regulatório estamos falando enquanto princípio para garantir direitos.
Entretanto, só a criação da lei não garante que esses princípios serão
colocados em prática. Por isso, é preciso criar mecanismos de controle
público e fiscalização que garantam sua execução na prática”, ressalta.
Segundo Rosane, o governo deveria ter tomado medidas logo após a
Conferência, realizada em dezembro de 2009. “Nós, movimentos sociais,
temos que garantir esse processo com muita mobilização e,
fundamentalmente, com organização. O FNDC deve cumprir esse papel, de
organizar nacionalmente, em nível estadual e local, de forma que todos
os estados tenham um comitê do FNDC, uma frente ou um fórum que
impulsione esta luta”.
Rosane Bertotti também fala da Campanha Nacional pela Liberdade de
Expressão a ser lançada ainda no primeiro semestre deste ano, cujo foco é
o marco regulatório. Segundo Rosane, em março será feito um seminário
com diversos atores sociais para que assumam também a campanha. “Um dos
eixos tirados pela Coordenação dos Movimentos Sociais no Fórum Social
Temático realizado em janeiro deste ano foi justamente a democratização
dos meios de comunicação, indicando o 5 de junho como dia nacional de
luta. O Fórum de Mídia Livre, também durante o FST, apontou o mês de
maio para realizar uma grande mobilização. O FNDC se propõe a chamar o
II Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação e se coloca a
disposição”. Quanto mais atores estiverem envolvidos nesse processo,
mais potencializamos esta luta, por una ley para que hablemos todos” – finaliza Rosane citando o movimento pela democratização dos meios de comunicação na Argentina.
Luiza Erundina diz que não há dúvidas de que a referência para o marco
regulatório devem ser as propostas aprovadas na I Confecom. Segundo a
deputada, a lei geral das comunicações está fragmentada e obsoleta.
“Para que haja uma transformação estrutural no sistema de comunicação do
país é preciso um conjunto de mudanças profundas.Digo isso porque mesmo
o que foi regulamentado até agora não funciona – é o caso do artigo 224
da Constituição, que cria o Conselho Nacional de Comunicação e que não é
colocado em prática. Os outros artigos sobre comunicação nem
regulamentados foram ainda” denuncia.
Ao falar dos desafios a deputada Erundina ressalta a importância de uma
mobilização forte com atores conscientes e esclarecidos desse processo.
“A pergunta é: o governo vai mandar uma proposta para o marco ainda
este ano? Não se sabe. É preciso mobilização, fazer pressão para que
seja apresentada a proposta. Debates como este aqui em Pernambuco tem
uma função importante, pois discutem as questões de forma didática,
fomenta a discussão e a reflexão, fundamentais para que haja
mobilização, organização, conscientização e o preparo para o embate”.
Mesmo com a ausência de energia elétrica, os convidados continuaram o
debate e o publico presente teve ampla participação. Ao final e ainda no
escuro, muitos aplausos pela qualidade com que se deram as discussões
e, no mesmo instante, por incrível que pareça, a luz voltou.
Oficinas
Durante a tarde, antecedendo os debates de sexta-feira (10), foram
realizadas atividades autogestionadas, com apresentação de pesquisas e
experiências de diversas entidades. Emanuel Mendonça Sobrinho, da Escola
Sindical da CUT no Nordeste apresentou o relato sobre a comunicação na
estratégia do projeto Escola Móvel da Central Única dos Trabalhadores.
Rosely Arantes, falou sobre o Conselho de Comunicação Social da Bahia,
abordado a questão do desafio para a democracia e uma conquista dos
movimentos sociais.
Manifestação nas ruas de Olinda
Após discussões dos grupos de trabalho reunidos na manhã de sábado, os
participantes foram até a praça do Carmo em Olinda para finalizar o
encontro em clima de festa, com um cortejo pela cidade em defesa da
democratização da comunicação.
Confundindo-se aos blocos de folia que ensaiavam ao som das alfaias do
maracatu, manifestantes da comunicação marcharam de forma alegre e bem
humorada pelas estreitas ruas de paralelepípedo e casas coloridas até a
sede do Centro de Cultura Luiz Freire. Durante o trajeto, cartazes e
palavras de ordem em defesa da comunicação chamavam atenção dos turistas
e da população local.
A frase a seguir não estava em nenhum cartaz, mas é de um ilustre
pernambucano que com sua música lutava por justiça. A frase é simples e
diz muito: “O homem coletivo sente a necessidade lutar.” (Chico Science)
Por: Paula Brandão / CUT Nacional