sábado, 6 de agosto de 2011

Será que é o momento do socialismo?

A compreensão do neoliberalismo deve passar antes por uma avaliação do contexto do modo de produção capitalista em que o modelo neoliberal foi implementado. Isso remete ao período posterior a crise de 29, quando alguns países se reestruturaram economicamente a partir de uma política keynesiana, principalmente os países capitalistas mais desenvolvidos da época: Estados Unidos e Inglaterra. Vale ressaltar que o modelo apresentado por Keynes não foi totalmente posto em prática pelas economias capitalistas daquele período, mas a principal abordagem da sua teoria, a intervenção estatal na economia, compôs a metodologia adotada pelos capitalistas para combater a crise que teimava em não passar com as medidas defendidas pelo mercado.



Mesmo com a crise de 1929 os Estados Unidos permaneceu com poder em relação aos demais países capitalistas e o dólar como moeda internacional tendo como lastro a reserva de ouro americana, que representava dois terços da reserva de todo o mundo. Nos anos 50 os EUA ajudaram na recuperação da Europa e do Japão, principalmente por conta da disputa com os comunistas. Já nos anos 60 houve o crescimento do Japão e dos países da Europa que receberam ajuda norte-americana e eles passaram a disputar mercado com as demais potências mundiais, construindo um mercado financeiro forte e competitivo fora dos EUA. Esse processo gerou uma inflação em dólar e uma liquidez de dólar no mercado internacional.


A inconversibilidade do padrão dólar-ouro, em 1971, foi uma das primeiras atitudes dos EUA para combater o avanço das demais potências, mas também foi uma década marcada pelo descontrole da taxa de câmbio e do fluxo de capitais. Em 1973 veio a crise do petróleo e os EUA foram os grandes prejudicados porque eram os maiores importadores do produto, que passou de U$ 3,00 para U$ 30,00 em seis anos. A consequência disso foi uma das maiores crises que afetou diretamente um dos setores mais importantes da economia norte-americana, o automobilístico. Também houve um efeito em cadeia e os demais setores produtivos sofreram um grande impacto, interferindo diretamente na classe trabalhadora com a redução de salários e geração do desemprego. Já que os EUA também consumiam em grande quantidade demais produtos de outros países, a crise norte-americana interferiu no processo produtivo mundial, fazendo com que a crise alcançasse também um patamar importante nas demais economias capitalistas do mundo.


Em 1979, o EUA estabelece a diplomacia do dólar forte e eleva os juros de 7% para 21% com a intenção de financiar o aumento da dívida americana. A medida acentuou a sobreposição do capital financeiro com relação ao capital produtivo e diversas empresas foram transferidas para outros países em busca da redução dos custos de produção. Foi o início da liberalização financeira e quando a economia de outros países, como a China, começaram a crescer de forma considerável.


A conjuntura da crise da década de 1970 foi o ponto de partida para que os defensores do neoliberalismo responsabilizassem o Estado e os sindicatos pelos acontecimentos e propusessem a superação da política econômica keynesiana. Para eles, a intervenção do Estado na economia aliada a carga tributária impediam o livre mercado e limitavam um dos principais componentes para o crescimento de uma economia, a concorrência. Já os sindicatos limitavam as liberdades individuais ao evitar que as pessoas escolhessem os contratos de trabalho que mais lhes interessassem e também interferiam diretamente no processo de regulação automática da oferta e demanda por postos de trabalho pelo mercado, através da regulamentação dos mercados de trabalho, do aumento de salários e da reivindicação de diretos trabalhistas.


Como apenas a crítica superficial ao modelo anterior não seria suficiente para sustentar a implementação do neoliberalismo, o discurso neoliberal também foi sustentado pela promessa de retomada do crescimento dos países estagnados há anos, a ampliação da competitividade em economias frágeis, pelo combate à pobreza e a redução das desigualdades em países marcados por diferenças sociais relevantes. Portanto, a retomada do crescimento aliada ao combate a pobreza e a redução das desigualdades foram os principais argumentos abordados para a inserção da lógica neoliberal na ordem internacional. Mas todos esses argumentos têm como essência a defesa da liberdade dos indivíduos e a livre atuação do mercado. O neoliberalismo reconstrói o discurso das liberdades individuais e o argumento é vinculado aos valores. O Estado e os sindicatos eram instituições que limitavam as liberdades individuais.


O neoliberalismo começa a ser construído ainda na década de 70, sendo constituído como um sistema distinto de regulação política, econômica e social. A partir da perspectiva neoliberal, o Estado seria responsável pela garantia da propriedade privada e dos contratos, além do funcionamento de setores como a justiça, a segurança e a própria parte administrativa do governo. A economia deveria ser controlada unicamente pelo livre mercado e a intervenção estatal não seria admitida. As políticas sociais deveriam ser mínimas ou apenas o necessário para controlar uma parte mais desfavorecida e insatisfeita da sociedade.


O processo chamado de reestruturação produtiva também começou a ganhar forma a partir da década de 70, sendo apoiado na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. Ele foi caracterizado pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novos mercados, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e a intensificação de inovação comercial, tecnológica e organizacional com a intenção de reduzir custos e influenciar tanto qualitativamente quanto quantitativamente no processo de produção. Regiões subdesenvolvidas começaram a receber uma grande quantidade de indústrias multinacionais, houve o desenvolvimento no emprego no chamado setor de serviços e a expansão do processo de terceirização da mão-de-obra. Além disso, um dos principais acontecimentos foi o processo de privatização das empresas estatais. A crise da década de 70 gerou uma grande volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro das empresas, que tiraram proveito disso para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis, aproveitando a instabilidade do poder sindical e o grande número de desempregados.


O poder econômico das empresas privadas foram suficientes para pressionar o Estado e flexibilizar a regulamentação de direitos trabalhistas, assim como a proteção social dos trabalhadores e trabalhadoras, com a promessa de que a regulação automática do mercado sobre a oferta e demanda de postos de trabalho seria suficiente para alcançar um patamar próximo do pleno emprego e isso se daria principalmente através da regulação dos salários e da capacitação individual de cada trabalhador ou trabalhadora. No entanto, as décadas de 80 e 90 comprovaram que as medidas neoliberais geraram mais desemprego e fizeram com que o trabalho fosse ainda mais precarizado a partir do processo de terceirização.


A crise internacional atual não é apenas fruto das medidas adotadas durante a crise de 2008, mas também daquelas que foram adotadas para combater a crise da década de 1970. A partir do impacto ocorrido em cada país, tanto em 2008 como agora, há o mesmo princípio que foi adotado com a crise de 70, com o investimento para o fortalecimento das instituições financeiras ao invés do investimento no setor produtivo, que gera emprego e incentiva o consumo e a produção, proporcionando o efeito multiplicador na economia. A última medida norte-americana para combater a atual crise foi o aumento do teto da dívida em 2,4 trilhões de dólares e o corte de gastos na mesma proporção para evitar que a maior economia mundial desse um calote inédito. Mas não se fala em qualquer tipo de investimento produtivo do Estado para gerar mais emprego e equilibrar o mercado interno. Além disso, a crise atingiu de forma direta alguns países da chamada zona do euro, como Grécia, Espanha, Portugal e Itália e que também não apresentaram até agora qualquer tipo de medida concreta para o investimento produtivo. Como não há perspectivas, em um curto prazo, de superação da crise e sim a expectativa de que ela se agrave, o governo chinês já está sugerindo a possibilidade de uma nova moeda internacional em substituição ao dólar.

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